quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Spotlight: Segredos Revelados | CRÍTICA


Na virada do milênio, com a expansão gradativa da world wide web, duas instituições se mostravam inquietas sobre nada mais, nada menos, do que estatísticas. A Igreja Católica, mesmo com seu poderio mundial, passou a se preocupar com a queda alarmante de seus fiéis, diminuindo décadas após décadas, enquanto que o jornais de mídia impressa precisam agora bater de frente com páginas virtuais e continuar a vender uma quantia considerável de seus exemplares. Inegavelmente, ambas influenciam a vida das pessoas, ou melhor dizendo, o pensamento destas, de tal forma que muitas vezes chega a limitar uma visão diferenciada de um determinado assunto. Mas e quando o bom jornalismo, íntegro e ético em sua essência, procura desvendar algo acobertado pela Igreja há décadas?

O The Boston Globe é o jornal de maior circulação na cidade de Boston, assim como um dos mais antigos da região, possuindo seções variadas que vão desde "Cidade", passando por "Política", "Arte" e "Religião". Montada na década de 1970, a equipe investigativa Spotlight é responsável por cobrir assuntos especiais com um aprofundamento maior do que as notícias lançadas no dia-a-dia, tendo inclusive acompanhado o caso de James "Whitey" Bulger e suas ligações com o agente do FBI John Connolly, assim visto corriqueiramente em Aliança do Crime. Foi na mesma década ainda que as primeiras denúncias de padres molestando crianças chegariam às delegacias, mas facilmente abafadas, deixando aí um rastro de vítimas silenciadas e traumatizadas até o Globe contratar Marty Baron (Liev Schreiber) para editor-chefe do jornal em 2001.


Com seu perfil nada católico, Baron solicita a Walter 'Robby' Robbinson (Michael Keaton), o editor da Spotlight, que passe a investigar as várias denúncias de abuso sexual praticadas por um padre da comunidade, mas desta vez, indo além de todo o material relacionado encontrado no clipping do jornal. Pelas conversas breves, solenes e pouco proveitosas na arquidiocese, a investigação parece ter vida curta, tamanha a recusa e portas fechadas que os jornalistas passam a enfrentar. 



Uma Verdade de Sutilezas


Num primeiro olhar, as informações parecem maçantes ao espectador, o ambiente jornalístico e a causa são apresentados minuciosamente e demora para que Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Mike Rezendes (Mark Ruffalo) possam a ir a campo recolher qualquer tipo de informação consistente o suficiente para dar um norte à sua pesquisa. Mesmo com Robby e os demais colegas, Matt Carroll (Brian d'Arcy James) e Ben Bradlee Jr. (John Slattery) fiquem confinados aos arquivos, descobrindo, por acaso, as causas esdrúxulas de afastamento dos padres da comunidade suspeitos por pedofilia, tudo passa a ficar mais interessante mesmo quando a equipe passar a ter contato com algumas vítimas e seus depoimentos avassaladores, apresentados com naturalidade por seus atores desconhecidos. Seja o cliente do advogado Mitchell Garabedian (Stanley Tucci), um ex-colega de Robby ou o líder de um grupo de apoio (que já tinha mandado dezenas de materiais, mas sem a devida atenção), todos expressam a inocência roubada de forma distinta, mas igualmente dolorida, para ser contraposta por uma justificativa de um padre convicto da diferença entre "tirar um sarro" e estupro.

Escrito pelo diretor Tom McCarthy e Josh Singer, a dupla é certeira ao omitir da narrativa os familiares dos jornalistas, uma economia que evita qualquer tipo de melodrama novelesco, a não ser a avó carola de Pfeiffer, que não perde nenhuma missa, ou quando Carroll fixa na geladeira de casa um aviso aos filhos sobre uma casa de possíveis pedófilos, passagem esta que chega a ser cômica, excetuando sua gravidade. Ironias não faltam quando Rezendes (numa interpretação brilhante e incansável de Ruffalo) corre exaustivamente atrás de arquivos nos cartórios, impaciente com a inconveniente burocracia e horários nada favoráveis, ou no fato de que, do outro lado da sede do The Boston Globe, fica um colégio católico no qual o editor da Spotlight estudou. O acerto maior de McCarthy, porém, é na brilhante elipse dos corres da equipe pela cidade, sob a funcional trilha sonora de Howard Shore, onde o diretor enquadra estrategicamente em planos abertos as imponentes torres das igrejas em meio a paisagem urbana de Boston, um retrato de uma instituição que, apesar de tais denúncias, procura-se manter presente (ou opressora?) em meio a comunidade.


Spotlight: Segredos Revelados não parece focado em destronar a Igreja enquanto venera a mídia impressa, ainda que seja uma abordagem habilidosa de um tema urgente e delicado (vide a escala global nos créditos). Diferente do jornalismo atual/virtual, onde o interesse maior de seus redatores é abordar assuntos que geralmente não dominam, mas que por outro lado garantem likes e visualizações, estimulando aí a especulação distante e imprecisa, o trabalho dedicado da equipe de Spotlight, que vai além das respostas aos "por quês" do cotidiano e seus relatos, é a prova do que a atividade jornalística sempre deveria ser: além do ato de informar, um instrumento ético a favor de seu povo.



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